Performance de ativista em praça no centro de Barcelona, nesta quinta-feira
(15 de dezembro de 2011)
Foto: Josep Lago / AFP
Uma ativista do grupo de defesa dos animais "AnimaNaturalis" faz performance em prato gigante para protestar contra consumo de carne em Barcelona, na Espanha.
Fonte: G1
Sobre a carne
Carne é tecido animal, em geral muscular. As fibras que a compõe são
feixes de células musculares, enroladas umas nas outras. Em volta delas
há uma cobertura de gordura, cuja função é lubrificar o músculo e
permitir que ele relaxe e se contraia suavemente. Ou seja, não há carne
sem gordura. A diferença entre carne branca e vermelha é a quantidade de ferro no
tecido - o mesmo mineral que dá cor ao sangue. As células de animais
grandes, como o boi, são ricas de uma molécula chamada mioglobina, que
contém ferro. Peixes e galinhas, por terem o corpo menor, não precisam
de reservas tão grandes de nutrientes nas células e, por isso, têm menos
mioglobina. Animais mais velhos têm carne mais vermelha - isso explica a
brancura do frango industrializado, abatido antes dos dois meses, se
comparado à galinha caipira. Essa última tem mais tempo para acumular
mioglobina nas células.
Tipos de vegetarianos
Ovolactovegetarianos: Não comem carne de nenhum tipo, mas consomem ovos, leite e derivados.
Em geral, quando alguém diz que é "vegetariano", é essa dieta que ele
segue.
Lactovegetarianos: Provavelmente o mais numeroso dos grupos, já que essa dieta
é predominante no sul da Índia - por razões religiosas. Nada de carne,
mas leite e derivados estão liberados. O ovo é terminantemente proibido,
por conter a "vibração da vida".
Vegans: Não consomem nada de origem animal: carne, ovos, leite, mel. Roupas de couro, lã e seda também estão proibidas.
Semivegetarianos: Aquelas pessoas que afirmam ser vegetarianas, mas abrem exceções para
peixes ou aves. São vistos com desdém pelos outros grupos. A principal
razão para essa dieta, que recusa só a carne vermelha, é o cuidado com a
saúde.
Macrobióticos: Dieta tradicional japonesa, que pode ser vegan, ovolactovegetariana
ou incluir peixe. Há várias restrições - a dieta acompanha as estações
do ano, o cardápio tem que incluir uma árvore toda, da semente ao fruto.
Como foi elaborada no Japão, a macrobiótica não contempla a realidade
brasileira (as estações do ano, por exemplo, são diferentes aqui). Isso
pode levar a deficiências alimentares.
Crudivorismo: Só comem vegetais crus. É preciso cuidado com essa dieta, porque ela
exclui os grãos, que são as melhores fontes de proteína e ferro dos
vegetarianos. Há risco de desnutrição.
Frugivorismo: Os frugivoristas não só rejeitam carne, como evitam machucar ou matar
vegetais. Por isso, comem apenas aquilo que as plantas "querem" que
seja comido: frutas e castanhas. Consideram o consumo de folhas, caules e
raízes uma violência. A dieta não é das mais saudáveis, já que é pobre
em proteínas e em minerais.
Problema sobre o consumo de carne
Quem come mais carne - especialmente carne vermelha - tem índices
maiores de câncer e de enfarte, as duas principais causas de morte do
planeta. É o que dizem as estatísticas.
Carne faz mal, então?
Não é tão
simples. Nos últimos 30 anos, as autoridades dos Estados Unidos vêm
aconselhando os americanos a diminuir a ingestão de carne vermelha e
manteiga por causa de suspeitas de que a gordura saturada presente em
grande quantidade nesses alimentos aumenta a taxa de colesterol e, com
isso, causa ataques cardíacos. O conselho virou norma no mundo todo - a
Organização Mundial da Saúde e vários governos adotaram a política de
reduzir a gordura saturada.
Tudo muito bom, só que tem algumas peças
que, mesmo após três décadas de pesquisas, continuam não se encaixando
no quebra-cabeças. Uma delas é a Europa mediterrânea. Lá, desde que terminaram os
rigores da Segunda Guerra, o consumo de carne vermelha tem aumentado.
Pois bem: a taxa de doenças cardíacas diminuiu no mesmo período. E a
França? O país da pâtisserie, fã ardoroso das carnes vermelhas de todo
tipo, onde qualquer almoço começa refogando o que quer que seja em
manteiga derretida, tem uma das mais baixas taxas de mortes por ataque
cardíaco do mundo.
No ano passado, Gary Taubes, correspondente da revista americana
Science e um dos principais escritores de ciência do mundo, escreveu um
longo artigo no qual classificava o medo da gordura saturada como
"dogma". Taubes afirma que, mesmo com tanta pesquisa, não há prova de que gordura
saturada e enfartes estão ligados. E vai além: diz que a propaganda do
governo só serviu para fazer com que os americanos comessem mais - ao
evitar a gordura, eles acabavam ingerindo mais carboidratos, mais
açúcar, para manter a quantidade diária de calorias (o corpo tende a
reclamar quando as calorias são insuficientes para saciá-lo - isso se
chama fome). Resultado: o índice de obesidade passou de 14% para 22% no
país. E obesidade, sabidamente, é um sério fator de risco para doenças cardíacas.
A maior parte do mundo médico ainda acredita na malignidade da carne
vermelha e da manteiga. ("Não tenho dúvidas da relação entre gordura
saturada e doenças cardiovasculares", afirma o nutricionista argentino
Cecílio Morón, oficial da agência da ONU que cuida de alimentação, a
FAO. Denise Coutinho, que coordena a política de nutrição do governo
brasileiro, repetiu quase as mesmas palavras.) Mas o artigo de Taubes
serviu para mostrar que nutrição não é baseada numa relação simples de
causa e conseqüência, tipo "mais carne, mais ataques cardíacos".
Mas, afinal, o que sobra da discussão?
Dietas de países gelados como a
Escócia e a Finlândia, onde o único vegetal consumido em quantidade é o
tabaco, estão equivocadas. Os altos índices de ataques cardíacos por lá
são prova incontestável. Mas os franceses, e os mediterrâneos em geral,
devem estar fazendo alguma coisa certa. Sua dieta é variada e rica em
vegetais frescos, azeite de oliva (tido como redutor de colesterol),
vinho e carne de todos os tipos. Ao contrário dos americanos, esses
povos comem com calma, em ambientes descontraídos. O que os está
salvando dos ataques cardíacos? Os legumes, o azeite, o vinho, a
conversa mole depois do almoço, a brisa marinha? Ninguém sabe ao certo.
Provavelmente é uma conjunção de todos esses fatores. O raciocínio vale em parte para o câncer também. Os comedores de
carne morrem mais de câncer de intestino, boca, faringe, estômago, seio e
próstata. Ainda assim, o elo entre carne e câncer é meio frouxo. Tudo
indica que, se é que a carne aumenta mesmo a incidência de câncer, sua
influência é bem pequena - um fator entre muitos.
Agora, de uma coisa ninguém tem dúvidas: vegetais fazem bem. Uma
dieta rica em frutas, legumes e verduras claramente reduz as chances de
ter câncer no esôfago, na boca, no estômago, no intestino, no reto, no
pulmão, na próstata e na laringe, além de afastar os ataques cardíacos.
Frutas e legumes amarelos têm caroteno, que previne câncer no estômago; a
soja possui isoflavona, que diminui a incidência de câncer de mama e
osteoporose; o alho tem alicina, que fortalece o sistema imunológico; e
por aí vai - essa lista poderia ocupar o resto da revista.
Em resumo:
não está bem claro se a carne faz mal. Muito bem, pelo jeito, não faz.
Mas, para ser saudável, o importante é ter uma dieta rica e variada de
vegetais. Seja ela vegetariana ou não.
Mas é possível viver sem carne?
Sim! O vegetarianismo exige cuidados e conhecimentos de nutrição, mas com
certeza pode-se ter uma dieta saudável sem carne. Aliás, o fato de
exigir cuidados a faz mais saudável. Um vegetariano tende a prestar mais
atenção no que come e nos efeitos disso sobre seu corpo. E isso, em si,
já é um hábito salutar. Muitos nutricionistas afirmam que as crianças
não devem, de maneira nenhuma, ficar sem proteína animal, sob risco de
terem o desenvolvimento cerebral prejudicado. Essa regra deve ser
seguida a não ser que os pais saibam muito bem o que estão fazendo,
conheçam as propriedades de cada alimento e - não menos importante - que
a criança queira.
Os ovolactovegetarianos não têm problemas com proteínas porque os
derivados de animais são tão protéicos quanto a carne. O perigo é que
leite e ovos são pobres em minerais, especialmente ferro, que
é fundamental para a saúde - ele é usado para construir a hemoglobina,
uma molécula cuja função é carregar o oxigênio do pulmão para as
células. Sem ferro, portanto, as células podem morrer. Isso é a anemia. Ou seja, ovolactovegetarianos não podem basear sua dieta no leite,
nos ovos e nos queijos, sob risco de ficarem sem nutrientes valiosos.
É preciso comer muitos e variados vegetais, em especial soja, feijão,
brócolis, couve, espinafre - todos ricos em ferro. A quantidade
é fundamental, porque o ferro dos vegetais é menos absorvido pelo corpo
que o de origem animal. Uma boa dica é acompanhar as refeições com suco
de laranja, já que a vitamina C ajuda na absorção do ferro. Outra fonte
de ferro é a casca de grãos como o arroz e o trigo. Por isso, eles devem
ser sempre integrais. Denise Coutinho, responsável pela política
nutricional do governo federal, adiantou à Super que está em estudo uma
medida para tornar a fortificação com ferro obrigatória nas farinhas de
trigo e de milho. A medida, que visa combater a desnutrição, vai acabar
ajudando a vida dos vegetarianos.
Já para os vegans, a palavrinha mágica é "soja". Se você não gosta
desse grão ou é alérgico a ele, virar vegan vai ser bem mais penoso. A
questão é a seguinte: suprir suas necessidades protéicas com carne
é fácil. "Afinal, você é feito de carne", diz Pedro de Felício,
especialista em produtos de origem animal da Universidade Estadual de
Campinas (Unicamp). Um bife tem a mesma composição que os músculos do
seu corpo. As proteínas das quais ele é feito são, também, iguais às
suas, feitas com os mesmos aminoácidos. Portanto, contêm tudo o que você
precisa. Proteínas vegetais são mais simples. Elas não contêm todos os
componentes necessários. A soja, entre os vegetais, é o que tem as
proteínas mais completas.
Há outras fontes de proteína, como o feijão,
mas, se você não come soja, vai precisar de grandes quantidades e de
muita variedade de vegetais para juntar todos os aminoácidos de que
precisa. "Desde que sigam essa regra, os vegans tendem a ter uma dieta
até mais equilibrada que os ovolactovegetarianos, já que não ocupam
lugar no estômago com ovos e leite, que são pobres em vários
nutrientes", diz o nutricionista vegan George Guimarães.
Uma questão para os vegans é a vitamina B12, que o corpo não produz e
não existe em vegetais. A B12 é fabricada por bactérias e pode ser
encontrada nos animais (que comem bactérias ao ciscar ou pastar). Mas
suprir as necessidades de B12 é fácil: qualquer biscoito ou cereal com a
palavra "fortificado" no rótulo contém a vitamina. Ela também é vendida
em cápsulas.
Somos vegetarianos por natureza?
Não. "O homem tem dentes pequenos e sistema digestivo curto,
características de onívoros", afirma o antropólogo físico Walter Neves,
da Universidade de São Paulo, maior especialista brasileiro em homens
pré-históricos. Ou seja, nosso organismo está preparado para comer de
tudo, inclusive carne. Somos como o chimpanzé, que, além de plantas,
cata insetos, lagartos e roedores. E diferentes do gorila, que só come
plantas e, para isso, tem dentes molares imensos e uma barriga enorme
(se você também tem uma, por favor não tome isso como uma comparação).
Os dentes grandes servem para criar mais área de mastigação e, assim,
triturar melhor as folhas e tirar delas os escassos nutrientes. A
barriga abriga o intestino e o estômago, que são bem maiores para dar
mais tempo ao organismo de absorver o que interessa. Walter afirma que, num passado longínquo, nos alimentávamos como
chimpanzés. Mas há 2,5 milhões de anos nossa dieta mudou. Começamos a
fabricar instrumentos de pedra e as novas armas permitiram que
incluíssemos no cardápio a carne de grandes mamíferos. Assim, nossa
ingestão de proteína animal aumentou demais. "Sem isso, não teríamos
desenvolvido um cérebro grande", diz Walter.
Antropologia: O aumento súbito de
proteína na dieta permitiu que nosso corpo investisse mais recursos no
sistema nervoso. Hoje, de 30% a 40% de tudo o que comemos vira
combustível para fazer o cérebro funcionar. Sem o aumento na ingestão de
carne, isso jamais seria possível. Mas, na mesma época, surgiu um gênero de humanídeos estritamente
vegetarianos. Conhecidos como Paranthropus, eles tinham grandes molares,
eram barrigudos e não comiam animais de nenhuma espécie, nem insetos.
Esses humanos vegetarianos conviviam com os humanos caçadores - há um
lago no Quênia onde foram encontradas ossadas das duas espécies, com
aproximadamente a mesma idade, a poucos quilômetros de distância. O Paranthropus se extinguiu há 1,2 milhão de anos, provavelmente
porque sua dieta mais restritiva o atrapalhou na competição com nossos
ancestrais generalistas. Nossos primos vegetarianos deviam ser muito
menos espertos que seus contemporâneos Homo, como atesta o tamanho de
seu cérebro. "Eles investiram os recursos do organismo em dentes, os
Homo investiram no cérebro", diz Walter.
Quer dizer que precisamos comer carne para raciocinar?
Não. Há 2,5
milhões de anos era assim porque não sabíamos plantar e nossa dieta
quase não incluía plantas protéicas. Os únicos vegetais que comíamos
eram frutas, folhas e raízes. Hoje, é possível ter uma dieta rica em
proteínas sem carne.
Vaca, a onipresente
Há quem diga que o problema de comer carne é moral: não teríamos o
direito de matar para comer. Mas, se você acha que basta parar de comer
carne para acabar com a matança, está enganado. Há muito mais produtos
no mercado que incluem animais mortos do que imagina a nossa vã
filosofia. Para começar, boa parte da indústria de vestuário depende de animais.
O couro, você sabe, é a pele de bichos abatidos. Para separar o fio de
seda, é preciso ferver o bicho-da-seda. Além disso, filmes fotográficos e
de cinema são recobertos por uma gelatina, retirada da canela da vaca.
Ou seja, um vegan radical só tira fotos digitais. Dos pés bovinos saem
também substâncias usadas na espuma dos extintores de incêndio. O sangue
bovino rende um fixador para tinturas e a gordura acaba em pneus,
plásticos, detergentes, velas e no PVC. Cremes de barbear, xampus,
cosméticos e dinamite derivam da glicerina, substância que contém
gordura bovina. A quantidade de medicamentos feitos com pedaços de gado,
do pâncreas ao cordão umbilical, passando pelos testículos, é imensa. Há um pouco das vacas também em vários produtos da indústria
alimentícia - e não estamos falando só de bife à parmegiana. A gelatina
deve a consistência ao colágeno arrancado da pele e dos ossos. Aliás,
quase toda comida elástica contém colágeno - da maria-mole ao chiclete.
Os queijos curados são feitos com uma enzima do estômago do bezerro.
Além dos bovinos, vários outros animais são usados pela indústria de
comida. Vegans devem ficar de olho nos rótulos e evitar dois corantes:
coxonilha e carmin. O primeiro, usado para tingir de azul, é feito de
besouros moídos. O segundo, que pinta de vermelho, é feito de lesmas
amassadas.
O planeta precisa de carne?
Na verdade, se todos fossem vegetarianos, é provável que não houvesse
tanta fome no mundo. É que os rebanhos consomem boa parte dos recursos
da Terra. Uma vaca, num único gole, bebe até 2 litros de água. Num dia,
consome até 100 litros. Para produzir 1 quilo de carne, gastam-se 43 000
litros de água. Um quilo de tomates custa ao planeta menos de 200
litros de água. Sem falar que damos grande parte dos vegetais que produzimos aos
animais. Um terço dos grãos do mundo viram comida de vaca.
No Brasil, o
gado quase não come grãos - graças ao clima é criado solto e se alimenta
de grama. Mas boa parte da nossa produção de soja, uma das maiores do
mundo, é exportada para ser dada ao gado. Outra questão é que a pecuária
bovina estimula a monocultura de grãos. Num mundo vegetariano haveria
lavouras mais diversificadas e teríamos muito mais recursos para
combater a fome. E não se trata só de comida. A pecuária esgota o planeta de outras
formas. "Para começar, ocupa um quarto da área terrestre e não pára de
se expandir", diz o ativista vegetariano Jeremy Rifkin. A pressão para a
derrubada das florestas, inclusive a amazônica, vem em grande parte da
necessidade de pasto. Entre os danos ambientais causados pelo gado, está
também o aquecimento global. Os gases da flatulência de bois e ovelhas
- não, isso não é uma piada - estão entre os principais causadores do
efeito estufa.
Como vivem e morrem os animais?
Boi: No Brasil, os bois são criados soltos. Provavelmente, essa forma de
criação é menos terrível que a de países frios do Cone Sul e da Europa,
onde os invernos matam o pasto e fazem com que os animais fiquem
fechados em áreas apertadas, comendo só ração. Isso não quer dizer que
seja o melhor dos mundos. Os animais muitas vezes passam fome, vivem
cheios de parasitas e apanham copiosamente. "O manejo no Brasil é muito
bruto", diz o etólogo Mateus Paranhos da Costa, da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), de Jaboticabal, especialista no assunto. Não existe aqui no Brasil a produção de vitela - carne muito branca e
macia de bezerros mantidos em jaulas superapertadas para evitar que se
movimentem. Para acentuar a brancura da carne, os criadores não permitem
que o bezerro coma grama ou grãos, só leite - a dieta tem que ser pobre
em ferro e em outros nutrientes, forçando uma anemia no animal. Com
isso, torna-se necessário o consumo de antibióticos, para diminuir o
risco de infecções do animal desnutrido. "A vitela deveria ser proibida
no mundo inteiro", afirma o agrônomo e etólogo Luiz Carlos Pinheiro
Machado Filho, especialista em técnicas de manejo da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Para matar um boi, primeiro se dá um disparo na testa com uma pistola
de ar comprimido. O tiro deixa o animal desacordado por alguns minutos.
Ele então é erguido por uma argola na pata traseira e outro funcionário
corta sua garganta. "O animal tem que ser sangrado vivo, para que o
sangue seja bombeado para fora do corpo, evitando a proliferação de
microorganismos", diz Ari Ajzenstein, fiscal do Serviço de Inspeção
Federal (SIF), que zela para que as regras de higiene e de bons tratos
no abate sejam cumpridas.
Em 1997, a ativista de direitos dos animais americana Gail Eisnitz
escreveu o bombástico livro Slaughterhouse ("Matadouro", inédito no
Brasil), no qual acusava os matadouros de sangrar muitos animais ainda
conscientes. "Não vou dizer que isso não acontece no Brasil, mas não
é freqüente", afirma Mateus Paranhos. O abate a marretadas está proibido no país, o que não quer dizer que
não aconteça - já que quase 50% dos abates são clandestinos e, portanto,
sem fiscalização. O problema da marretada é que não é fácil acertar o
boi com o primeiro golpe. Muitas vezes, são necessários dezenas para
desacordá-lo.
Galinhas: Essas quase sempre levam uma vida miserável. Vivem espremidas numa
gaiola do tamanho delas. As luzes ficam acesas até 18 horas por dia -
assim elas não dormem e comem mais (isso acontece principalmente com as
que produzem ovos). Seus bicos são cortados para que não matem umas às
outras e para evitar que elas escolham que parte da ração querem comer -
caso contrário, ciscariam apenas os grãos de seu agrado e deixariam de
lado alimentos que servem para que engordem rápido.
A morte é rápida. As galinhas ficam presas numa esteira rolante que
passa sob um eletrodo. O choque desacorda a ave e, em seguida, uma
lâmina corta seu pescoço. O esquema é industrial. Hoje, nos Estados
Unidos, são abatidas, em um dia, tantas aves quanto a indústria levava
um ano para matar em 1930. Nas granjas de ovos, pintinhos machos são
sacrificados numa espécie de liquidificador gigante. Parece horrível,
mas é a mais indolor das mortes descritas aqui.
Porcos: Outros azarados. Não têm espaço nem para deitar confortavelmente.
"São confinados do nascimento ao abate", diz Pinheiro Filho. As
gestantes são forçadas a parir atadas a uma fivela, apertadas na baia. O
abate é parecido com o de bovinos, com a diferença que o atordoamento
é feito com um choque elétrico na cabeça e que o animal é jogado num
tanque de água fervendo após o sangramento, para facilitar a retirada da
pele. Gail Eisnitz afirma, em seu livro, que muitos porcos caem na água
fervendo ainda vivos, mas isso provavelmente é incomum.
Patos e gansos: Os mais infelizes dos nossos alimentos provavelmente são os gansos e
patos da França. O foie gras, um patê tradicional e sofisticado, é feito
com o fígado inflamado das aves. Os produtores colocam um funil na boca
delas e as entopem de comida por meses, fazendo com que o fígado
trabalhe dobrado. Isso provoca uma inflamação e faz com que o órgão
fique imenso, cheio de gordura. Ou seja, o patê, na prática, é uma
doença. Há movimentos pedindo o banimento do produto. Não se produz foie
gras no Brasil.
E o que fazer a respeito?
Há uma verdade inescapável: ao comermos carne, somos indiretamente
responsáveis pela morte de seres que têm pai, mãe, sofrem, sentem medo.
"Os vertebrados sentem dor", diz Rita Paixão, fisiologista e bioeticista
da Universidade Federal Fluminense. Isso é um fato e, se você pretende
continuar comendo carne, é bom se acostumar com ele. Mas podemos ao
menos minimizar o sofrimento, escolhendo comidas que impliquem em menos
crueldade. O mercado oferece alternativas. Uma delas são os ovos caipiras, produzidos por galinhas criadas
soltas, em companhia de galos, sob o sol - um desinfetante natural -,
comendo o que querem com seus bicos inteiros. A maior granja brasileira
de ovos caipiras é a Yamaguishi, que distribui "ovos da galinha feliz"
pela região de Campinas e em São Paulo. "Os ovos que nós produzimos...
quer dizer, que nossas galinhas produzem", diz Marcelo Minutti, gerente
da granja, "são mais saborosos e não contêm substâncias químicas. "Frangos caipiras, criados em condições semelhantes, também já são
encontrados nos supermercados. Sua carne é mais dura, mas é mais
saborosa e a chance de conter substâncias perigosas, como hormônios e
antibióticos, é mínima. A rede Carrefour, graças a uma política da sede
francesa, é uma das que oferece o produto. Ele faz parte da linha
"garantia de origem", só de produtos feitos com essa preocupação.
Os bois certificados com "garantia de origem" são bem alimentados e
criados por pessoas treinadas por especialistas em comportamento animal
para entender como ele pensa e manejá-lo sem violência. "Agora vamos
produzir porcos com origem garantida, criados soltos", diz o veterinário
Adolfo Petry, responsável, no Carrefour, pelos produtos animais
garantidos com o selo. Produtos assim custam entre 50% e 100% a mais que
os convencionais. Apesar do interesse crescente do consumidor em
diminuir a crueldade (numa pesquisa feita pela Super na internet, 85%
das 2408 pessoas disseram que deixariam de comer alimentos se soubessem
que eles causam sofrimento para animais), a procura por esses produtos
ainda é muito pequena.
A vaca e a humanidade
A criação de gado foi uma das maiores forças ditando os rumos da
humanidade. Essa é a opinião do escritor Jeremy Rifkin, ativista
polêmico, vegetariano convicto e pesquisador competente - um dos maiores
críticos da biotecnologia e, por tabela, um dos maiores inimigos do
establishment científico. Rifkin, em seu Beyond Beef ("Além da carne",
sem versão em português), mostra que devemos muitas coisas importantes
ao hábito de criar vacas para matar. Veja algumas delas:
Deus: Algumas das primeiras pinturas nas cavernas representavam vacas.
Devemos à carne nossas primeiras manifestações artísticas e,
possivelmente, a origem das nossas religiões - essas pinturas são o
primeiro registro de uma humanidade preocupada com o mundo espiritual,
acertando as contas com os animais que matava.
Diabo: As tribos nômades de cavaleiros que habitavam a Eurásia há 6 000 anos
juntavam gado selvagem e o criavam nos pastos naturais. Esses pastores
cultuavam um deus-touro, chamado Mithra, símbolo da força, da
masculinidade, do poder. A necessidade de pastos novos a cada vez que
acabava o antigo fazia deles expansionistas por natureza e, no início da
era cristã, eles já tinham se espalhado da Índia a Portugal. Com isso, o
culto a Mithra tornou-se muito popular no Império Romano. Para
contê-lo, a Igreja adotou sua data sagrada, o dia de Mithra - 25 de
dezembro. Estava estabelecido o Natal. Depois, no Concílio de Toledo, em
447, a Igreja publicou a primeira descrição oficial do diabo, a
encarnação do mal: um ser imenso e escuro, com chifres na cabeça. Como
Mithra.
Grandes navegações: Na Idade Média, a carne raramente era fresca e, por isso, havia muita
demanda de temperos para disfarçar o sabor. Ao mesmo tempo, tinham se
esgotado os pastos da Europa - não havia mais para onde levar os
rebanhos crescentes. Resultado: os europeus caíram no mar em busca de um
caminho para as especiarias indianas e de espaço para soltar os bois.
Acharam mais espaço do que imaginavam: a América. Hoje, Estados Unidos,
Brasil, Uruguai e Argentina têm alguns dos maiores rebanhos do mundo.
Conquista do Oeste: Em 1870, boa parte dos Estados Unidos tinha se transformado em pasto.
Mas havia um obstáculo para a expansão. Os campos do oeste americano
estavam tomados por hordas de búfalos, que serviam de caça para as
tribos indígenas. O governo americano não queria os búfalos, difíceis de
manejar, e temia os índios. Adotou, então, uma solução simples: matar
os búfalos e, assim, deixar os índios sem comida. É assim que Rifkin
resume a heróica "conquista do Oeste". Naquela década, matar búfalo foi o que mais se fez na região. Havia
"excursões turísticas" nas quais um trem emparelhava com manadas e os
passageiros começavam a atirar. As carcaças eram abandonadas ao longo da
ferrovia. Cowboys como Buffalo Bill se tornaram lendários por matar
até 40 búfalos numa caçada. Em dez anos, as manadas, que eram tão
grandes que levavam horas para passar, sumiram. Em 1881, a tradicional
Dança do Sol da tribo kiowa foi adiada por dois meses porque os índios
não conseguiam encontrar um só búfalo para o sacrifício ritual.
Finalmente, acharam um animal solitário e o mataram. No ano seguinte,
não encontraram nenhum.
Indústria moderna: No final do século XIX surgiu uma novidade na indústria da carne: a
esteira rolante. Em vez de depender de um açougueiro habilidoso, o
matadouro podia usar vários funcionários pouco especializados, cada um
fazendo um pouco do trabalho, enquanto a carcaça se movia sozinha. Uma
"linha de desmontagem". Um dia, um mecânico que vivia em Detroit foi
visitar essa linha. Anos depois, esse mecânico admitiria que a indústria
do abate foi uma forte inspiração para a sua própria fábrica, batizada
em 1903 com seu sobrenome. O nome desse mecânico? Henry Ford.
Agora é com você. O que vai ser? Brócolis ou cheeseburger?
Fonte: http://super.abril.com.br/superarquivo/2002/conteudo_120220.shtml
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