Questões de gênero... além do feminino e masculino
Desde que mundo é mundo, acreditava-se que as crianças deveriam seguir um modelo básico de orientação, onde meninos brincam de bola e menina de boneca. Ver um menino, pegar numa boneca já foi motivo de preocupação para muitos pais, assim como a ideia de ver a filha jogando futebol até certo tempo atrás deixava outros de cabelo em pé. Mas não são estas escolhas infantis que causarão graves consequências na vida de futuros homens e mulheres. O que pode influenciar negativamente na questão de gênero é a falta de informação quanto aos seus direitos de ter autonomia quanto às suas escolhas.
Esse modelo idealizado pela sociedade paternalista em que desde criança a mulher deve ser adestrada a cuidar de casa, incentivada por brincadeiras como casinha, onde ela representa seu futuro papel, fazendo 'comidinha' para os fictícios marido e filhinhos, representados por suas bonecas, são meros ensaios do que lhe é proposto no futuro. Quanto aos homens, a liberdade de usufruir direitos e o título de garanhão, não cumprir o dever de respeitar as mulheres (muitos tinham amantes, fato conhecido e aceito por suas esposas que não se atreviam a confrontar a atitude do parceiro) e tantas outras falsetas permissivas proporcionadas por uma sociedade injusta e hegemonicamente patriarcal. Embora o modelo de família tenha sofrido mudanças, ainda há uma utopia em relação ao gênero feminino. Há anos atrás, ainda era comum ver a antiga formação de família, onde o pai era o provedor, a mulher se desprendia no papel de dona de casa e mãe, de modo que tudo funcionava aos olhos alheios. Pois não havia preocupação se aquele papel satisfazia a mulher, ou ainda, se ela sentia-se satisfeita na cama. Ouvi histórias de mulheres, hoje com seus 70 - 80 anos, sobre a relação sexual com seus maridos que me deixam estarrecida, de pessoas com diversos filhos, contudo nunca experimentaram um orgasmo na vida. Variações de postura sexual, nem pensar, pois mulher de respeito só transava para reproduzir e consumar o casamento, sendo assim tinha que estar disponível quando o marido quisesse. Verdade seja dita, saiam da dominação paterna para a dominação do marido.
O papel social exercido pela mulher era restrito, a minoria trabalhava fora de casa e suas opiniões não tinham força, sua autonomia era ignorada. Cenas de Gabriela, baseada no romance de Jorge Amado (Globo) passadas na década de 20, mostram como as mulheres eram apenas objetos de uso particular do marido, numa época em que crimes cometidos por adultério ficavam impunes. O Coronel Jesuíno representa bem esse exemplo de estupor da desqualificação feminina, uma das suas frases que representa bem essa situação é "Direito de mulher é obedecer o marido", e ainda há mulher que vive sob essa ditadura.
Cronologia de mudanças
Anos 60: As mulheres passam a romper com a pretensa naturalidade da opressão feminina através da nova ordem liberal, que tinha como base fundamental discutir a desigualdade como componente das relações sociais baseadas na dominação de sexo que hierarquiza as relações de gênero como relações de poder (ÁVILA E CORREA, 1999).
Anos 70: A construção da ideia de gênero foi fortalecida pelo movimento de mulheres, quando estas buscaram espaço para a composição de uma cidadania feminina (JARDIM, 2003).
Anos 1980 e 1990: A agenda dos direitos reprodutivos incorporou a questão da concepção, do exercício da maternidade e das novas tecnologias reprodutivas (VENTURA, 2002). Os estudos de gênero são marcadamente estudos feministas e surgiram em meados dos anos 80, a partir de feministas americanas que queriam compreender e intervir na qualidade essencialmente social das diferenças baseadas em sexo. Ao longo desta década no Brasil, grupos de mulheres aprofundaram a reflexão acerca das interfaces entre a esfera pública e privada, o individual e o coletivo, apontadas pelos documentos oriundos dos encontros feministas (CEBES, 2007). No final deste período, sob a influência dos debates norte-americanos e franceses sobre a construção social do sexo e do gênero, as acadêmicas feministas no Brasil começam a substituir a categoria mulher pela categoria gênero (PAOLI, 1991).
Segundo Carvalho (2006), a sexualidade nada mais é do que conhecer a si próprio. Ele comenta que dependendo da idade, ela deve ser encarada de diferentes formas, contudo não pode ser esquecida ou negligenciada, situações do cotidiano e orientações sutis podem estimular a discussão sobre o assunto, especialmente com as crianças, que não podem ser excluídas deste contexto. Desmistificar os assuntos que permeiam a sexualidade só trará benefícios à saúde tanto do homem quanto da mulher, pois conhecer a si é exercer autonomia e com isso, a sensibilização do autocuidado. Quando bem informadas e orientadas sobre a sua autonomia quanto às escolhas, os riscos de gestações indesejadas tendem a ser reduzidos, consequentemente diminuem-se os riscos e agravos à saúde. Por essa razão, é necessária a capacitação de profissionais envolvidos no Planejamento Familiar, assim como trabalhar sobre a sexualidade antes mesmo da primeira relação sexual em parceria com instituições escolares e outras relacionadas, além de parceria com a comunidade, fortalecendo os laços com a coletividade. Pelissari (2006) afirma que a mulher sem informação não pode ser qualificada de cidadã, pois, lhe foi tolhido o pleno gozo de seus direitos ao lhe ser negado o acesso a dados que poderiam influir na sua decisão sobre assuntos relacionados à sexualidade. Ainda percebemos em pleno século XXI, que o exercício dos direitos sexuais com fins de prazer, sem limitar o sexo a reprodução são ignorados.
Historicamente, as intervenções do movimento feminista brasileiro neste sentido, foram imprescindíveis para evolução das políticas públicas e garantia dos direitos da mulher, incitando a busca por equidade tanto de gênero quanto dos diversos aspectos que englobam as necessidades humanas.
A dominação simbólica dos homens sobre as mulheres tornou-se senso comum e nota-se que para algumas mulheres essa dominação tem significado um fator de segurança, porém é perceptível que essa relação tem dificultado o pleno exercício dos Direitos Sexuais. Em suma, o comportamento submisso de muitas mulheres dificulta o alcance de conquistas maiores, pois os Direitos Sexuais e Reprodutivos são constitucionais, de forma que assim como o homem, a mulher deve usufruí-los com finalidade de prazer e não apenas por reprodução, pois estes lhe garantem autonomia nas escolhas.
A diferença biológica é apenas o ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero é uma construção social e histórica. A noção de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do masculino. Sendo assim, deve ser considerado como produto social e não um fenômeno natural (BRAGA, 2007).
REFERÊNCIAS
ÁVILA, M. B.; CORRÈA,
S. O movimento de Saúde e direitos reprodutivos no Brasil: revisitando
percursos. Galvão, Loren e DIAZ, Juan. Saúde
Sexual e Reprodutiva no Brasil: Dilemas e Desafios. São Paulo: Editora
Hucitec. Population Concil, p.73. 1999.
BRAGA, E. M. A
questão do Gênero e da sexualidade na educação. In: RODRIGUES, E.; ROSIN, S. M.
(orgs). Infância e práticas educativas.
Maringá – Pr. EDUEM. 2007.
CARVALHO,
J. Sexualidade debatida dentro da escola.
Paraná. 2006
CEBES. Saúde em
Debate, Revista do Centro Brasileiro de
Estudos de Saúde, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, CEBES – v.1
(out./nov./dez. 1976) – São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde,
CEBES, 2007.
JARDIM, R. T. J. Esterilização Feminina: na ótica dos
direitos reprodutivos, da ética e do controle de natalidade. 2003. 79 fls.
Monografia (Direito). Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais. Universidade
Vale do Rio dos Sinos, Porto Alegre.
PAOLI, M. C. As Ciências Sociais, os Movimentos Sociais
e a Questão de Gênero. Novos Estudos CEBRAP, n. 31, outubro de 1991, p.
107-120.
PELISSARI, M. Planejamento familiar, sexualidade, aborto
e inclusão social. Recanto das Letras. Disponível em http:// www.recantodasletras.uol.com.br/textosjuridicos/127958.
Acesso em 15/10/2010.
VENTURA, M. Direitos reprodutivos no Brasil. Fonte: São Paulo; s.n; 2002. 134 p. tab.
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