Manual de Prevenção de Incapacidades disponível no site:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/MANPREV2000.pdf).
a) Inspeção dos olhos, nariz, membros superiores e inferiores
A inspeção dos olhos objetiva verificar os sinais e sintomas decorrentes da presença do bacilo e do comprometimento dos nervos que inervam os olhos. Consiste em perguntar ao indivíduo se sente ardor, coceira, vista embaçada, ressecamento dos olhos, pálpebras pesadas, lacrimejamento, ou outros sintomas. Deve ser verificado se existem nódulos, infiltrações, secreção, vermelhidão (hiperemia), ausência de sobrancelhas (madarose), cílios invertidos (triquíase), eversão (ectrópio) e desabamento da pálpebra inferior (lagoftalmo), ou opacidade da córnea. Ainda deve ser verificado se há alteração no contorno, tamanho e reação das pupilas, e se as mesmas apresentam-se pretas ou esbranquiçadas.
Toda pessoa que tem problemas no tato (alteração de sensibilidade) vale-se dos olhos para proteger-se. Por isso mesmo um paciente de hanseníase deve ter seus olhos cuidadosamente examinados, pois a possibilidade de falta de visão e de visão e tato juntos deixa o paciente extremamente desprotegido.
Já a inspeção do nariz é feita para se verificar os sinais e sintomas decorrentes da presença do bacilo e o comprometimento da mucosa e da cartilagem do nariz. Para tanto, pergunta-se se o nariz está entupido e se há sangramento ou ressecamento do mesmo. Deve ser feita uma inspeção do nariz, verificando as condições da pele, da mucosa e do septo nasal, bem como se há perfuração do septo nasal, desabamento do nariz ou outros sinais característicos da doença. A mucosa deve ser examinada, verificando se há alteração na cor, na umidade (muita secreção ou ressecamento), e se há crostas, atrofias, infiltração ou úlceras na mucosa.
A inspeção dos membros superiores serve para verificar os sinais e sintomas decorrentes do comprometimento dos nervos que inervam as mãos, devendo, para tanto, ser questionado sobre a possível diminuição da força, dormência, ou outros sintomas.
Inclui, também, a verificação da existência de ressecamento, calosidades, fissuras, ferimentos, cicatrizes, atrofias musculares e reabsorções ósseas (perda de uma ou mais falanges dos dedos, ou parte de uma delas).
A inspeção dos membros inferiores verifica os sinais e sintomas decorrentes do comprometimento dos nervos que inervam os pés. Compreende a investigação sobre a possível existência de dor, dormência, perda de força, inchaço, ou outros sintomas. Deve ser verificado se há ressecamento, calosidades, fissuras, ferimentos, úlceras, cicatrizes, reabsorções ósseas, atrofias musculares, ou outros sintomas. A observação da marcha (modo de andar) do paciente que pode apresentar características de comprometimento neural (pé caído) não pode deixar de ser feita.
b) Palpação dos troncos nervosos periféricos
Este procedimento visa verificar se há espessamento dos nervos que inervam os membros superiores e inferiores, visando prevenir lesões neurais e incapacidades. O profissional de saúde deve ficar em frente ao paciente que está sendo examinado, posicionando-a de acordo com a descrição específica da técnica de palpação de cada nervo.
O nervo deve ser palpado com as polpas digitais do segundo e terceiro dedos, deslizando-os sobre a superfície óssea, acompanhando o trajeto do nervo, no sentido de cima para baixo. Não se deve esquecer que se os nervos estiverem inflamados poderão estar sensíveis ou doloridos, merecendo cuidado e pouca força ao serem palpados.
Deve-se verificar em cada nervo palpado:
• se há queixa de dor espontânea no trajeto do nervo;
• se há queixa de choque ou de dor nos nervos durante a palpação;
• se há espessamento do nervo palpado com o nervo correspondente, no lado oposto;
• se há alteração na consistência do nervo: se há endurecimento, amolecimento;
• se há alteração na forma do nervo: se existem abcessos e nódulos;
• se o nervo apresenta aderências.
c) Avaliação da força muscular
A avaliação da força muscular tem o objetivo de verificar se existe comprometimento funcional dos músculos inervados pelos nervos que passam pela face, membros superiores e inferiores. Este comprometimento é evidenciado pela diminuição ou perda da força muscular.
d) Teste da mobilidade articular das mãos e pés
Objetiva verificar se existem limitações na amplitude dos movimentos das articulações dos dedos das mãos e dos pés. Essas limitações indicam comprometimento funcional dos músculos inervados pelos nervos que passam pelas mãos e pelos pés e podem manifestar-se através degarras e de articulações anquilosadas (sem movimento).
Procedimentos:
• verifique a mobilidade das articulações das mãos e dos pés através da movimentação ativa e passiva das mesmas;
• peça ao examinado que movimente as articulações dos pés e das mãos;
• faça a movimentação passiva das articulações dos pés e das mãos, fixando a articulação proximal a ser a ser examinada, com uma das mãos. Com a outra mão, faça movimentos de extensão e flexão.
e) Avaliação da sensibilidade dos olhos, membros superiores e inferiores. A avaliação de sensibilidade das áreas inervadas pelos nervos periféricos tem o objetivo de verificar se existe algum comprometimento dos mesmos - um dos sinais característicos da hanseníase.
Procedimentos:
• procure um ambiente tranquilo e confortável, com o mínimo de interferência externa;
• explique à pessoa examinada o teste que será realizado;
• demonstre o teste numa área da pele com sensibilidade normal;
• peça-lhe que feche os olhos e os mantenha fechados;
• teste os pontos com a caneta esferográfica de ponta grossa perpendicularmente à pele;
• peça que diga “sim” quando sentir o toque;
• volte a cada ponto duas vezes, para certificar-se da resposta;
• registre a resposta, “sim” ou “não”, em cada ponto especificamente, de acordo com o seguinte critério:
Sim - sente o toque: tem sensibilidade;
Não - não sente o toque: não tem sensibilidade.
• diagnóstico diferencial
A baciloscopia é o exame microscópico onde se observa o Mycobacterium leprae, diretamente nos esfregaços de raspados intradérmicos das lesões hansênicas ou de outros locais de coleta selecionados: lóbulos auriculares e/ou cotovelos, e lesão quando houver. É um apoio para o diagnóstico e também serve como um dos critérios de confirmação de recidiva quando comparado ao resultado no momento do diagnóstico e da cura. Por nem sempre evidenciar o Mycobacterium leprae nas lesões hansênicas ou em outros locais de coleta, a baciloscopia negativa não afasta o diagnóstico da hanseníase. Mesmo sendo a baciloscopia um dos parâmetros integrantes da definição de caso, ratifica-se que o diagnóstico da hanseníase é clínico. Quando a baciloscopia estiver disponível e for realizada, não se deve esperar o resultado para iniciar o tratamento do paciente. O tratamento é iniciado imediatamente após o diagnóstico de hanseníase e a classificação do paciente em pauci ou multibacilar baseado no número de lesões de pele.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A hanseníase pode ser confundida com outras doenças de pele e com outras doenças neurológicas que apresentam sinais e sintomas semelhantes aos seus. Portanto, deve ser feito diagnóstico diferencial em relação a essas doenças.
As lesões de pele características da hanseníase são: manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, lesões em placa, infiltrações e nódulos. As principais doenças de pele que fazem diagnóstico diferencial com hanseníase, são:
• Pitiríase Versicolor (pano branco) - micose superficial que acomete a pele, e é causada pelo fungo Ptirosporum ovale. Sua lesão muda de cor quando exposta ao sol ou calor (versicolor). Ao exame dermatológico há descamação furfurácea (lembrando farinha fina). Sensibilidade preservada.
• Eczemátide - doença comum de causa desconhecida, ainda é associada à dermatite seborreica, parasitoses intestinais, falta de vitamina A, e alguns processos alérgicos (asma, rinite, etc). No local da lesão, a pele fica parecida com pele de pato (pele anserina: são as pápulas foliculares que acometem cada folículo piloso). Sensibilidade preservada.
• Tinha do corpo - micose superficial, com lesão hipocrômica ou eritematosa, de bordos elevados. Pode acometer várias partes do tegumento e é pruriginosa. Sensibilidade preservada.
• Vitiligo - doença de causa desconhecida, com lesões acrômicas. Sensibilidade preservada.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL EM RELAÇÃO A OUTRAS DOENÇAS DERMATOLÓGICAS
Existem doenças que provocam lesões de pele semelhantes às lesões características da hanseníase, e que podem ser confundidas com as mesmas.
As lesões neurológicas da hanseníase podem ser confundidas, entre outras, com as de:
• síndrome do túnel do carpo;
• neuralgia parestésica;
• neuropatia alcoólica;
• neuropatia diabética;
• lesões por esforços repetitivos (LER).
TRATAMENTO
O tratamento do paciente com hanseníase é fundamental para curá-lo, fechar a fonte de infecção interrompendo a cadeia de transmissão da doença, sendo portanto estratégico no controle da endemia e para eliminar a hanseníase enquanto problema de saúde pública. O tratamento integral de um caso de hanseníase compreende o tratamento quimioterápico específico - a poliquimioterapia (PQT), seu acompanhamento, com vistas a identificar e tratar as possíveis intercorrências e complicações da doença e a prevenção e o tratamento das incapacidades físicas. Há necessidade de um esforço organizado de toda a rede básica de saúde no sentido de fornecer tratamento quimioterápico a todas as pessoas diagnosticadas com hanseníase. O indivíduo, após ter o diagnóstico, deve, periodicamente, ser visto pela equipe de saúde para avaliação e para receber a medicação. Na tomada mensal de medicamentos é feita uma avaliação do paciente para acompanhar a evolução de suas lesões de pele, do seu comprometimento neural, verificando se há presença de neurites ou de estados reacionais. Quando necessárias, são orientadas técnicas de prevenção de incapacidades e deformidades. São dadas orientações sobre os auto cuidados que ela deverá realizar diariamente para evitar as complicações da doença, sendo verificada sua correta realização.
O encaminhamento da pessoa com hanseníase para uma Unidade de Referência somente está indicado quando houver necessidade de cuidados especiais - no caso de intercorrências graves ou para correção cirúrgica. Nestes casos, após a realização do procedimento indicado, ela deve retornar para o acompanhamento rotineiro em sua unidade básica.
O tratamento específico da pessoa com hanseníase, indicado pelo Ministério da Saúde, é a poliquimioterapia padronizada pela Organização Mundial de Saúde, conhecida como PQT, devendo ser realizado nas unidades de saúde. A PQT mata o bacilo tornando-o inviável, evita a evolução da doença, prevenindo as incapacidades e deformidades causadas por ela, levando à cura. O bacilo morto é incapaz de infectar outras pessoas, rompendo a cadeia epidemiológica da doença. Assim sendo, logo no início do tratamento, a transmissão da doença é interrompida, e, sendo realizado de forma completa e correta, garante a cura da doença. A poliquimioterapia é constituída pelo conjunto dos seguintes medicamentos: rifampicina, dapsona e clofazimina, com administração associada. Essa associação evita a resistência medicamentosa do bacilo que ocorre com freqüência quando se utiliza apenas um medicamento, impossibilitando a cura da doença. É administrada através de esquema-padrão, de acordo com a classificação operacional do doente em Pauci ou Multibacilar. A informação sobre a classificação do doente é fundamental para se selecionar o esquema de tratamento adequado ao seu caso. Para crianças com hanseníase, a dose dos medicamentos do esquema-padrão é ajustada, de acordo com a sua idade. Já no caso de pessoas com intolerância a um dos medicamentos do esquema-padrão, são indicados esquemas alternativos. A alta por cura é dada após a administração do número de doses preconizadas pelo esquema terapêutico.
Esquema Paucibacilar (PB)
Neste caso é utilizada uma combinação da rifampicina e dapsona, acondicionados numa cartela, no seguinte esquema:
• medicação:
- rifampicina: uma dose mensal de 600 mg (2 cápsulas de 300 mg) com administração supervisionada,
- dapsona: uma dose mensal de 100mg supervisionada e uma dose diária autoadministrada;
• duração do tratamento: 6 doses mensais supervisionadas de rifampicina.
• critério de alta: 6 doses supervisionadas em até 9 meses
Esquema Multibacilar (MB)
Aqui é utilizada uma combinação da rifampicina, dapsona e de clofazimina, acondicionados numa cartela, no seguinte esquema:
• medicação:
- rifampicina: uma dose mensal de 600 mg (2 cápsulas de 300 mg) com administração supervisionada;
- clofazimina: uma dose mensal de 300 mg (3 cápsulas de 100 mg) com administração supervisionada e uma dose diária de 50mg auto-administrada; e
- dapsona: uma dose mensal de 100mg supervisionada e uma dose diária autoadministrada;
• duração do tratamento: 12 doses mensais supervisionadas de rifampicina;
• critério de alta: 12 doses supervisionadas em até 18 meses.
Casos multibacilares que iniciam o tratamento com numerosas lesões e/ou extensas áreas de infiltração cutânea poderão apresentar uma regressão mais lenta das lesões de pele. A maioria desses doentes continuará melhorando após a conclusão do tratamento com 12 doses. É possível, no entanto, que alguns desses casos demonstrem pouca melhora e por isso poderão necessitar de 12 doses adicionais de PQT-MB.
Esquemas de tratamento para crianças
Para crianças com hanseníase, as doses de medicamentos dos esquemas Paucibacilar e Multibacilar, são ajustadas da seguinte forma:
Criança/PB
Idade
0 à 5 anos :
Dapsona auto administrada - 25mg
Dapsona supervisionada - 25 mg
Rifampicina supervisionada - 150 a 300 mg
De 6 à 14 anos:
Dapsona auto administrada - 50 - 100 mg
Dapsona supervisionada - 50 - 100 mg
Rifampicina supervisionada -300 - 450 mg
Criança/MB
0 à 5 anos :
Dapsona auto administrada supervisionada (mês) - 25 mg 25 mg
Rifampicina supervisionada - 150 a 300 mg
Clofazimina auto administrada supervisionada (mês) - 100 mg/semana 100 mg
De 6 à 14 anos:
Dapsona auto administrada supervisionada (mês) - 50 -100mg 50 - 100 mg
Rifampicina supervisionada - 300 a 450 mg
Clofazimina auto administrada supervisionada (mês) - 150mg/semana 150-200 mg